Programamos o fechamento da série 2011 de Audax para o circuito de Curitiba. Se não conseguíssemos completar em Curitiba, ainda teríamos outras oportunidades, mas felizmente não será preciso nem pra mim, nem para o Edmilson, que conseguimos completar o 600tão. Já o Célio e o Fábio vão precisar de uma segunda oportunidade.
A largada aconteceu pontualmente às 0h de sábado, onde partimos rumo a Ponta Grossa, nosso primeiro destino do percurso que previa passagens por outras quatro cidades: Imbituva, Irati, Palmeira e Prudentópolis, retornando para Curitiba.
A madrugada estava clara, com uma temperatura razoável, próxima dos 12 graus e não havia previsão de chuva. Isso é ótimo, porque pedalar uma prova de 600Km com chuva dificulta muito as coisas.
Logo estávamos na estrada, madrugada adentro. Edmilson Amorelli, Célio Sebold, Fábio Suphiatti e eu, Flavio Yamil Gómez, quatro audaciosos dispostos a encarar o desafio de completar os 600Km em menos de 40h. Eu era o único que resolveu utilizar uma única bike. Fui com a minha velha companheira, a Speed Kestrel branca. Os demais resolveram sair de MTB e depois trocar para speed durante o dia. Assim foi feito.
O ritmo de pedalada é diferente entre a speed e a MTB. Isso prejudicou um pouco os meus parceiros, mas mesmo assim seguimos todos juntos. Tinhamos que obedecer o planejamento prévio que fizemos, para não haver erros e correr o risco de não completar a prova por falta de tempo.
Nestes primeiros 100Km o Edmilson teve problemas com a roda traseira de sua MTB, por duas vezes. Não conseguia descobrir o que era, mas o fato era que o pneu murchava. Trocou a câmera duas vezes e foi assim que pedalamos o primeiro trecho.
As provas de Audax não são de competição, por isso, não importa a colocação que você está. O que importa é completar o percurso dentro do tempo máximo estipulado. É um desafio. Ainda assim, nos primeiros 100Km éramos os últimos. O resto dos ciclistas tinham imprimido um ritmo de pedalada superior ao nosso, mas tudo bem, afinal, são 600Km e muita água iria rolar debaixo da ponte.
Chegamos ao primeiro Ponto de Controle (PC) as 6h, mais ou menos dentro do planejado. Na verdade, meio atrasados, mas tudo bem. Descansamos um pouco e partimos para Irati, passando antes por Imbituva, onde passamos pelo centro da cidade e paramos em uma padaria para fazer um lanchinho.
A estrada que leva de Imbituva para Irati é um caso aparte. Realmente é muito ruim. O asfalto é cheio de buracos e todo rachado. Quando eu digo “todo rachado” é porque não há sequer dois metros de asfalto liso. São 30Km desse jeito, e ainda com subidas e descidas. A trepidação da bike é intensa e isso aumenta o desgaste devido à força que o ciclista deve fazer para manter-se firme na bike. Sem contar no impacto ocasionado na região glútea, mais ou menos como se você estivesse sentado em uma britadeira.
Neste trecho, o Fábio e o Célio começaram a ficar pra trás em alguns momentos e o Edmilson e eu nos afastamos nos kilômetros finais, mas eles chegaram antes ao PC, pois nós passamos reto no trevo de Iratí e fomos parar no centro da cidade, quando na verdade era para virar à esquerda. Andamos 8km a mais e chegamos ao PC2, no hotel Anila. Ali seria também o PC “estratégico”, pois passaríamos por ali mais duas vezes.
Sabendo disso, já tínhamos reservado os nossos quartos e a Sandra e a Marta já estavam lá nos esperando para nos dar apoio. A previsão era de tomar um banho, trocar as roupas e comer alguma coisa antes de partir para os próximos 100Km até Palmeira e voltar para o hotel.
Partimos todos juntos as 12h30min rumo a Palmeira para completar os 300Km, metade do longo desafio. Logo nos primeiros kilômetros o Fábio e o Célio começaram a ficar para trás novamente. O Edmilson e eu não pudemos esperar, pois tínhamos que seguir o planejamento. Todos sabiam previamente que teríamos que seguir o planejamento à risca, senão nos prejudicaríamos e correríamos o risco de não concluir o percurso dentro do tempo estipulado.
Para agravar a situação, avistamos umas nuvens carregadas de chuva logo na nossa frente. Concluímos que possivelmente iríamos pegar chuva. A tempestade estava localizada exatamente no sentido de Prudentópolis, destino que teríamos que seguir para completar os 400Km do dia. Seja como for, teríamos que encarar se quiséssemos completar o desafio. O fato é que pegar chuva em uma hora dessas não é nada animador, principalmente com a noite se aproximando. Nessas condições, as lanternas quase não iluminam e a estrada fica escorregadia, o que prejudicaria nosso desempenho.
Edmilson e eu voltamos de Palmeira, sem pegar chuva, e em seguida partimos para Prudentópolis, afim de completar 400Km neste dia, antes de dormir um pouco. Saímos as 17h30min para aproveitar os poucos minutos de luz do dia, já que à noite, a pedalada rende menos e cansa mais. Instantes após nossa partida, chegam Célio e Fábio completando os 300Km, só que eles resolvem parar o desafio por aí.
Enquanto isso, na estrada, Edmilson e eu continuamos a jornada. Aos poucos começa a escurecer e as nuvens carregadas ainda rondam nosso caminho, mas sem chover. Apenas amedrontando, a tempestade exibe alguns raios distantes, mas por enquanto fica só nisso. A noite cai e chegamos ao PC virtual de retorno na cidade de Prudentópolis as 19h30min. Ficamos cinco minutos e pegamos a estrada novamente rumo a Irati. Agora era só chegar para descansar algumas horas em uma cama confortável.
O retorno de Prudentópolis foi o segundo pior trecho do desafio. Composto por subidas longas, mas não íngremes, passamos muito tempo subindo. As descidas eram curtas e mais íngremes, mas como era noite, não era possível embalar muito. Para piorar, a qualidade da estrada não ajudava muito e a essa altura do campeonato já estávamos bem cansados e com algumas dores. Normal.
Chegamos a Iratí as 21h57min, completando 400Km em quase 23h de pedal. Nada mal para o primeiro dia, e estávamos dentro da programação planejada. Agora o negócio é descansar algumas horas e deixar os últimos 200Km para o próximo dia. Jantamos e fomos dormir. Combinamos de sair as 4h30min da manhã para concluir o desafio antes das 16h de domingo, horário limite para a conclusão da prova.
No horário previsto lá estávamos nós novamente prontos para sair. A dor na bunda complicava na hora de sentar no celim da bike, principalmente nos primeiros minutos de pedalada. O cansaço muscular também prejudicava e nos sentíamos meio “travados”. No entanto, sabíamos que era uma questão de aquecimento.
Logo entramos na estrada que nos levaria a Imbituva. Sim, é aquela estrada extremamente ruim, com um asfalto rachado e cheio de buracos do dia anterior, só que agora teríamos que encará-la no escuro e com um desgaste físico maior. O Daniel, da organização, apareceu de moto para saber se estava tudo bem e logo seguiu em frente. São 30Km desse jeito. A esperança era de chegar a Imbituva para pararmos na padaria e tomar café da manhã, mas quando chegamos, logo ao amanhecer, a padaria estava fechada. Lógico! Seis e pouco da manhã, domingo, cidade pequena do interior, não poderia ser diferente.
Este fato começou a nos preocupar, já que precisávamos comer alguma coisa e tomar um café quente. Eu comecei a sentir um princípio de enjôo, bem de leve, mas fiquei preocupado. Não sabia se era por falta de comida ou era excesso de ácido láctico, decorrente do esforço físico. Se fosse a segunda alternativa, seguramente não conseguiria completar o desafio. O Edmilson também estava na mesma situação. Não reclamou de enjôo, mas eu percebi que também não estava bem. Definitivamente, precisávamos achar um lugar para comer. O Daniel passou por nós novamente. Era claro que estava cuidando a gente de perto. Nesta situação, a nossa situação psicológica não era das mais animadoras.
Logo à frente um posto. Que beleza! Finalmente pudemos tomar um café quente, comer bolo e um pastel de carne. Eu acrescentei sal ao pastel e mandei ver. O Daniel estava lá nos esperando! Ele sabia que iríamos parar nesse posto. Conversamos um pouco e ele confessou que estava cansado. Se nós tínhamos pedalado uns 450Km, ele devia ter andado uns 1400Km de moto, pra cima e pra baixo, acompanhando os ciclistas. Também nos contou como estava o andamento da prova. Quem já tinha desistido e quem ainda estava no páreo. Alguns dos ponteiros passaram mal, e abandonaram, assim como vários que não estavam no pelotão da frente. Mas isso pouco importa, porque Audax não é competição, é sim um desafio.
Depois da refeição que fizemos no posto tudo mudou. O enjôo desapareceu e o ânimo voltou a tomar conta dos nossos pensamentos. Agora eu tinha certeza. A solução para todos os nossos problemas era a comida. Ou melhor, quase todos. Aos poucos o Edmilson começou a reclamar de dor na planta dos pés, bem no ponto de apóio do pedal. Eu também estava sentindo um certo desconforto na mesma região, mas bem de leve. Concluí que poderia ser por causa da quantidade de subidas, já que eu nunca tinha sentido esse tipo de desconforto antes. Nem no 600 do ano passado, nem nos 400, nunca. Mas neste percurso sentimos.
Passamos por Ponta Grossa e chegamos ao PC5, fechando 505Km pedalados. O pessoal da organização estava nos esperando, pois chegamos alguns minutinhos atrasados, mas deu tudo certo. Nos trataram como reis. Pegaram nossas bikes, nos ofereceram comida com opção de escolha e tudo! Tinha macarrão, sanduíches variados, frutas, isotônicos de vários sabores, coca-cola, água, e mais outras coisas que nem lembro. O Vander abasteceu as caramanholas, nos deu protetor solar e uma boa dose de incentivo. Foi assim que passamos uns 15min neste último PC, antes da tão sonhada chegada.
Voltamos para a estrada, já que nos restavam os últimos 95Km para chegar ao paraíso. Agora com a companhia do sol do meio dia e um calor fora do comum para a época, seguimos nosso rumo para Curitiba. Dor na bunda, dor nos pés, dor nas costas, dor no pescoço, subidas, descidas e mais subidas, encontramos com o Sandro, um senhor ciclista de longas distâncias que tivemos o prazer de conhecê-lo durante a série 2011. O guerreiro Sandro estava precisando de um objeto cortante para retirar alguma coisa da bike dele. Por sorte eu carrego meu estilete suíço que resolveu o problema. Continuamos em frente e o Sandro ficou para trás. Concluí que seria difícil dele chegar no horário, devido ao ritmo que ele estava pedalando e das horas que ainda faltavam. O 600tão é assim mesmo.
Seguindo nosso rumo passamos por mais dois ou três ciclistas, paramos mais uma vez para comprar água e logo depois descemos a serra do Purunã. Agora já mais confiantes da nossa vitória, já que faltavam poucos kilômetros. Mesmo assim, nada certo ainda. Um problema mecânico poderia comprometer a nossa prova.
Finalmente, as 15h25min da tarde de domingo chegamos à associação Viking em Curitiba, concluindo o Audax 600 de Curitiba série 2011. Prova que nos habilita para participar do Paris-Brest-Paris em agosto, na França. Depois da nossa chegada, estávamos no chuveiro quando ouvimos a chegada do Sandro, completando a prova com 40h cravadas. Foi de arrepiar.
Pedalar 600Km em menos de 40h é um desafio difícil, mas que pode ser alcançado com treinamento, disciplina e determinação, superando adversidades externas e principalmente as internas, que a nossa própria mente se encarrega de criar. Trata-se de uma prova onde o psicológico do atleta conta muito. É um belo exercício de superação que nos deixa ensinamentos para a vida cotidiana, onde fica provado que na maioria das vezes, somos nós que colocamos nossas próprias limitações. Não se engane. Você pode, você consegue. É só querer.
Para finalizar, gostaria de parabenizar a organização da ACD pela maneira como conduziram a série de Audax 2011. Nós estivemos presentes em todas as etapas: 200Km, 300Km, 400Km e 600Km. Em todas as provas eles deram um show de organização. Sem dúvida, a melhor organização de Audax que eu já participei, e olha que temos mais de uma dúzia de provas de Audax no currículo, em diversos estados brasileiros. Vocês estão de parabéns, e continuem assim.
Um agradecimento muito especial também para as nossas esposas e apoiadoras, Sandra e Marta, que sempre estão junto conosco nessas provas. Entendemos que também não é fácil acompanhar-nos nessas jornadas.